segunda-feira, 16 de abril de 2012

Ali Hassan Ayache fala: AS SURPRESAS DE IDOMENEO NO THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO.

Teatro Municipal de São Paulo
   O anúncio oficial, do nobre Theatro Municipal de São Paulo, informa que a apresentação da ópera Idomeneo de Mozart como "concerto cênico" . Não foi o que aconteceu, a surpresa foi ver a ópera com montagem completa. Tomei um susto quando entrei no teatro e vi a orquestra no alto e na frente , imaginei qual era a surpresa? Depois da abertura ela desceu suavemente para seu devido lugar. 

   Surpresa amarga: Diretores de ópera tem a mania de querer transportar a ação para tudo quanto que é lugar. Alguns adoram o atemporal, outros gostam de avançar algumas décadas e os mais ousados falam em séculos. Não tenho nada contra esse tipo de ideia. O perigo das transposições é cair no ridículo em algumas cenas , é o exagero na "concepção" . O Idomeneo apresentado no último dia 14/04/2012 teve direção cênica de Regina Galdino, a nobre diretora extrapolou no direito de viajar na ação. Transpôs tudo para a atualidade onde deuses da mitologia grega viram banqueiros inescrupulosos, o povão se manifesta contra os altos juros cobrados e a bolsa de valores cai . Concepção que não combina com o tema, a mitologia greco-romana .
Cena: Idomeneo

   Conversas por computador e presos oprimidos tentam mostrar o lado atual da concepção, fica tudo embolado. É complicado adequar mitologia aos dias atuais.  Figurinos normais, o deus Netuno aparece com roupas estampadas em reais e dólares. A ideia de colocar o deus em cena não é nenhuma novidade, já foi utilizada em Salsburg/2006 . O deus tinha roupas mais adequadas a um ser celeste.

   Defendo  a apresentação da obra conforme escrita pelo compositor, sou purista nesse ponto. A ideia de tirar os longos e muitas vezes cansativos recitativos e colocar uma narradora deu uma bela dinâmica e reduziu o tempo da ação, uma surpresa interessante. Para quem não conhece a obra e não tem contato com a mitologia grega é uma mão na roda. Quem conhece a obra fica com a sensação que faltou alguma coisa.

   A Orquestra Sinfônica Municipal regida por Rodolfo Fisher mostrou sonoridade volumosa e andamentos interessantes, o problema foi a falta do estilo mozartiano na apresentação da obra. A regência de Rodolfo Fisher toca Mozart como uma ópera romântica, como se ele tivesse vivido uns cem anos depois. O Coral Lírico se mostrou eficaz como sempre. Sua sonoridade foi muitas vezes atrapalhada pelas maluquices da direção.
Gabriela Pace
Luisa Francesconi
  Os solistas arrebentaram, a maioria em noite inspirada e digna de um verdadeiro canto mozartiano. O mezzo-soprano Luisa Francesconi mostrou uma voz uniforme , um timbre escuro e uma bela atuação cênica. Um Idamante empolgante. Sua voz está tinindo , no ponto certo para interpretar outros papéis do repertório. Outra surpresa foi Gabriela Pace, o soprano cantou com maestria, detentora de uma técnica perfeita, agudos brilhantes , vivos e empolgantes. Seu timbre mudou de acordo com os sentimentos da personagem, áspero nos momentos de desespero e lírico nas partes animadas. Gabriela Pace acertou em cheio, compôs uma grande Ilia , digna de sentar ao lado do deus Netuno e cantar uma longa ária para acalmá-lo. 

   O tenor Miguel Geraldi mostrou uma voz pequena, isso não é nenhum demérito, seu timbre é puro lirismo. Empolga e se mantém constante do começo ao fim da apresentação. Fez um Idomeneo completo. A baixa ficou por conta de Claudia Riccitelli, com uma virose não pode se apresentar. Em seu lugar entrou o soprano Janete Dornelas, chamada de última hora, chegou as duas da manhã no dia da apresentação e às sete horas já estava ensaiando.  Cantou Electra cinco anos antes , relembrou as árias e conseguiu um belo timbre de soprano dramático. Tirou leite de pedra.

   Quem não acertou a mão foi Marcos Liesenberg, sua voz não tem a solidez necessária de um Mozart. Emissão quase sempre áspera e irregular, que troca agudos por gritos agressivos. Será que Mozart compôs isso? Duvido , seu Arbace/Sacerdote foi o elo fraco entre os solistas, fez uma interpretação contida com troca qualidade melódica transformando-se em gritos. 

   As surpresas mostram a organização e a desorganização do grande teatro paulistano: A direção conseguiu um sorprano de última hora , que cantou com dignidade e salvou a récita. O desagradável vem quando anuncia-se concerto cênico e se monta uma ópera completa. Todos os meios de comunicação divulgaram conforme o anunciado, algumas pessoas nas redes sociais reclamaram do erro e culparam a imprensa. O Theatro Municipal de São Paulo deve saber o que vai fazer, programar com antecedência o espetáculo e anunciar o correto. Todos os grandes teatros líricos do mundo divulgam suas programações com meses ou anos de antecedência, esse é o exemplo a ser seguido. 


Por Ali Hassan Ayache 

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